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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Brincadeira Semântica de Mau Gosto do STJ

A presente postagem surge com a leitura do Informativo Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) n. 460 / 2010.

Interessante, para não dizer absurda, a dicção do STJ e com o lastro jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente no que diz respeito à parte que entendemos por melhor grifá-la!

No que diz respeito ao uso ou não de arma e a necessidade de exame de corpo de delito para a sua configuração, já está assentado na jurisprudência, e positivado, que pode ser suprimido por prova testemunhal, quando não for possível a prova imediata da utilização (art. 167 CPP).

Entretanto, o que causa espanto e indignação é a manifestação do tribunal da necessidade do réu (sua defesa) comprovar a inofensividade da arma utilizada, a fim de não incidir majorante, qualificadora, ou mesmo não configurar elemento substancial do tipo.

Como expõe Nestor Távora:
E se tem indicado que a divisão do ônus da prova entre acusação e defesa levaria a que a primeira demonstrasse a autoria; materialidade; dolo ou culpa e eventuais circunstâncias que influam na exasperação da pena (TAVORA, 2009: 325)

Ora, parece-me que estão sendo jogados no ralo, como se não fosse comum, diversos princípios constitucionais, penais materiais e processuais, tais como a presunção de inocência, talvez um dos mais elevados princípios constitucionais e que recorrentemente os tribunais tem encontrado fundamento para relativiza-lo. Deixando claras as intensões do sistema e a falácia sobre a qual é construído o paradigma constitucional liberal.

Como refere o tribunal, potencial lesivo in re ipsa, ou seja, em razão da coisa. Beirando a sandice punitiva, tendo em vista que vai de encontro à posição de tema diverso mas reflexamente muito próximo, que diz respeito a proibição do juiz fixar regime de pena mais severo, por conta da gravidade abstrata do delito.

STF Súmula nº 718 - Opinião do Julgador Sobre Gravidade em Abstrato do Crime - Idoneidade da Motivação para Imposição de Regime Mais Severo

Neste sentido, parece-me um contrassenso, que para a determinação do regime de pena seja vedado se basear na ofensividade genérica que o tipo apresenta, e para o caso de incidência de qualificadora, majorante [...] seja plenamente aceito a natureza do delito a legitimar o requerimento de prova negativa pelo réu !!

Isso é advogar na Justiça Criminal Brasileira, um jogo de xadrez semântico (e que só ‘eles’ entendem), e com resultados que são uma brincadeira de profundo mau gosto.

Informativo 460 de 13-17 de dezembro de 2010 STJ
ROUBO. MAJORANTE. ARMA.
A Seção, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, conhecer dos EREsp, apesar de o acórdão colacionado como paradigma advir do julgamento de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. No mérito, firmou, também por maioria, que a aplicação da majorante constante do art. 157, § 2º, I, do CP não necessita da apreensão e da perícia da arma utilizada na prática do roubo se outros meios de prova evidenciarem seu emprego, por exemplo, os depoimentos dos condutores, da vítima e das testemunhas, ou mesmo quaisquer meios de captação de imagem. Anotou que essa exigência de apreensão e perícia da arma não decorre da lei, que recentes precedentes do STF têm a arma, por si só, como instrumento capaz de qualificar o roubo desde que demonstrada sua utilização por qualquer modo (potencial lesivo in re ipsa) e que, por isso, cabe ao imputado demonstrar a falta de seu potencial lesivo, tal como nas hipóteses de arma de brinquedo, defeituosa ou incapaz de produzir lesão (art. 156 do CPP). Precedentes citados do STF: HC 96.099-RS, DJe 5/6/2009, e HC 104.984-RS, DJe 30/11/2010. EREsp 961.863-RS, Rel. originário Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. para acórdão Min. Gilson Dipp, julgados em 13/12/2010. Grifa-se.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O 4º Poder e a sua função atípica

A presente postagem surge quando estava dando uma olhada no ultimo informativo do mês de dezembro do Supremo Tribunal Federal, ou seja, o ultimo do ano.

Assim, não poderia deixar de comentar e/ou elaborar algo, quando leio uma jurisprudência do Supremo, chancelando, ou seja, batendo o martelo pela ultima vez, e negando um Habeas Corpus impetrado contra a juntada de prova que consistia em declarações do próprio réu à veiculo da imprensa. Justificada tal decisão pelo fato de que as garantias asseguradas ao réu contra a prova ilícita, bem como ainda acerca do direito ao silêncio, ambos insculpidos na Constituição Cidadã (essa referência é muito engraçada) devem ser respeitadas apenas em sede oficial, ou seja, processual, inquérito, etc..

Neste sentido, vê-se que a mídia, há muito reconhecida como sendo um 4º Poder no interior dos Estados Democráticos de Direito e suas funções administrativas. Este Poder que se sedimentou e fortaleceu com a retomada democrática e os direitos de informar, a afamada liberdade de mídia, e ainda, que viu seu império se solidificar com a grande ajuda dos processos de globalização, e a abertura de uma janela para o mundo liberal no interior de cada casa brasileira (a televisão). Atualmente acrescente-se, os celulares, computadores, rádios etc... – todos acessíveis e ao mesmo tempo, através de pequenos, baratos e descartáveis dispositivos eletrônicos.

Com isso, viabiliza com que situações como esta sejam possíveis, qual seja, a mídia, em seu afã de informar, produzir uma reportagem de capa, envolta pela sua capacidade de distorção textual que todos conhecemos, bem como ainda, de sensacionalização dos acontecimentos, produz condenados, mesmo antes do julgamento, e este caso, não é isolado, não precisa forçar a memória para lembrar de vários casos em que dada a cobertura que foi dispensada por estes veículos, o resultado era o que menos importava, ou melhor, que menos corria o risco era de surpreender.

Neste sentido, passaria eu, se um dia fosse rabiscar um manual de direito constitucional, no que diz respeito à divisão dos poderes e suas funções típicas e atípicas, a incluir a “mass media” como sendo o 4º Poder do Estado Democrático de Direito, com a função típica de informar (deformar) e a função atípica de julgar/condenar (sensacionalizar).

No mesmo sentido, disponho ainda, logo abaixo, a publicação da Carta Maior, acerca das tentativas da Mass Media em monopolizar os veículos de informação em rede, que forçam uma porta de entrada no inicio do governo Dilma, situação que ainda não possui um desfecho, mas que se for com sucesso (não para a mídia pensante) estará cerrada a possibilidade de produzir veículos de diálogo e reflexão no que diz respeito à informação e formado o grande Poder Oligopolista de Condenações que passarão a serem em massa, tal qual o nome dos sentenciadores!! 


Opinião Editorial acessível pelo link: http://cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4948

Nesta linha, entendo altamente pertinente, a colocação de Antônio Negri e Michael Hardt sobre a posição que assume a mídia no grande império:
É por isso que as indústrias de comunicação assumiram posição tal central. Elas não apenas organizam a produção, numa nova escala e impõem uma nova estrutura adequada ao espaço global, mas também tornam imanente sua justificação. O poder, enquanto produz, organiza; enquanto organiza, fala e se expressa como autoridade. A linguagem, à medida que comunica, produz mercadorias, mas, além disso, cria subjetividades, põe umas em relação às outras, e ordena-as. As indústrias de comunicação integram o imaginário e o símbolo dentro do tecido biopolítico, não simplesmente colocando-os a serviço do poder, mas integrando-os de fato, em seu próprio funcionamento. (NEGRI; HARDT, 2006: 52)

Passo a ementa do acórdão referido – publicado no Informativo do STF n. 613 (dez 2010):

Direito ao silencio e entrevista a jornal
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a ilicitude da prova juntada aos autos consistente na não advertência ao acusado de seu direito de permanecer calado. No caso, o paciente concedera entrevista a jornal, na qual narrara o modus operandi de 2 homicídios a ele imputados. Reputou-se que a Constituição teria conferido dignidade constitucional ao direito ao silêncio, dispondo expressamente que o preso deve ser informado pela autoridade policial ou judicial da faculdade de manter-se calado. Consignou-se que o dever de advertir os presos e os acusados em geral de seu direito de permanecerem calados consubstanciar-se-ia em uma garantia processual penal que teria como destinatário precípuo o Poder Público. Concluiu-se, entretanto, não haver qualquer nulidade na juntada da prova, entrevista concedida espontaneamente a veículo de imprensa. HC 99558/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.12.10. (HC-99558)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A retórica socioeducativa punitivista


A presente postagem objetiva trabalhar e tem a pretensão de denunciar a falácia que cerca o procedimento para a apuração de ato infracional, ou seja, delito cometido por menor de 18 anos previsto na lei 8.069/90 (estatuto da criança e do adolescente - ECA) regulamentado em seu título vi, capítulo ii e iii.
Neste sentido, venho sustentando, tendo em vista que meu foco de estudo há algum tempo é a infância e juventude, que o diploma legal que regulamenta as relações envolvendo as infâncias e juventudes é meramente uma produção legislativa de altíssima qualidade literária, tendo em vista que entra em vigor sem qualquer pretensão de efetividade. E ainda que tivesse as condições materiais, tão culpadas de serem as responsáveis pelo seu fracasso, ainda assim, não dariam conta da complexidade que envolve a demanda infanto-juvenil em conflito com a lei, que se reveste de sócio educação, mas no fundo (e não precisa sequer ir tão a fundo assim), se verifica que é um código penal juvenil com a mesma índole punitiva, senão mais perversa, que o próprio código penal e de processo penal.
Ademais, verifica-se que se mantém a condição de situação irregular dos paradigmas anteriores, muito embora o discurso moderno tenha a capacidade de se revestir com um roupagem humanizadora e preocupada com o desenvolvimento destas infâncias, que se tornam em profecias auto-realizáveis, produzindo um transito interinstitucional entre casas de adoção, estabelecimentos de sócio educação (internação) e sistema prisional. Um verdadeiro processo de degradação humana com o catalizador da institucionalização.
É neste contexto e a partir deste posicionamento teórico que se analisa a ementa abaixo selecionada do Superior Tribunal de Justiça, tão elogiado na postagem anterior, mas que não resiste na sua imanente capacidade de retrocesso reflexivo e compreensivo. Em tal decisão, o Superior Tribunal de Justiça (que neste caso na merece o adjetivo de Egrégio), decidiu pela autorização de medida socioeducativa antes do transito em julgado da decisão, deixando escoar pelo ralo a presunção de inocência insculpida na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LVII, e nem se fale nos princípios de proteção da criança que chamam modernamente de “proteção integral” mesmo sem definir e demonstrar o que isto signifique, e ainda da dignidade da pessoa humana, que neste caso está em formação etc...

Informativo STJ n. 435/2010
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. CUMPRIMENTO. TRÂNSITO EM JULGADO.
No habeas corpus preventivo, pretendia-se que o cumprimento de eventual medida socioeducativa a ser imposta pelo juízo fosse iniciada após o trânsito em julgado da sentença. Quanto a isso, a jurisprudência que se formou em torno da interpretação do art. 198, VI, do ECA (revogado pela Lei n. 12.012/2009) firmou-se no sentido de que a sentença que insere o adolescente na medida socioeducativa possui apenas o efeito devolutivo, o que não obsta o imediato cumprimento da medida aplicada, salvo quando há possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, caso em que o apelo também é recebido no efeito suspensivo. No caso dos autos, não há como aferir a legalidade dessa eventual medida. Daí que não há coação ou ameaça concreta de lesão à liberdade de locomoção do paciente a afastar seu interesse de agir, imprescindível ao conhecimento da impetração ora em grau de recurso. Precedentes citados: RHC 21.380-RS, DJe 2/2/2009; HC 82.813-MG, DJ 1º/10/2007, e HC 54.633-SP, DJe 26/5/2008. RHC 26.386-PI, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18/5/2010.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A subtração do papel da mulher-vítima no conflito

A lei Maria da Penha foi bastante festejada por parte do movimento feminista na época da sua promulgação em 2006 tendo em vista estar trazendo ao plano legislativo a defesa da mulher no âmbito domestico e nas suas relações.
Entretanto, vale aqui fazer uma breve analise sobre tal situação, tendo em vista se tratar de uma problemática milenar, que é a questão da dominação calcada na diferença de gênero, dominação esta que relega à mulher o espaço eminentemente privado e doméstico.
A lei 11.340/2006 lei veio à luz público-social pelo grande numero de processos envolvendo violência que tinha como polo passivo (vitima) as mulheres e, sobretudo, referindo-se às relações de afetividade, ou seja, os agressores, em regra, tinham algum grau de intimidade com a agredida. E ainda, diversas pesquisas relatando que o numero de atos de violência que sequer chegavam às delegacias seriam muito maiores do que os que faziam parte das estatísticas. E ainda, o fato de que, diversos boletins de ocorrências (notitia criminis) e seus inquéritos abertos nas delegacias especializadas para a mulher em todo o país, eram encerrados, por pedido da própria vítima. Desta feita, tal produção legislativa foi uma conquista de um segmento do movimento feminista para acabar com tais questões, segmentos este que denominam (e concordo) punitivistas.
Desta feita, poderia se elencar três características marcantes da referida lei, primeiro o alargamento (com o qual concordo) do conceito de violência, não se restringindo à violência física, mas sim todo e qualquer tipo de dominação física, psíquica, moral etc..; a previsão de diversas medidas protetivas (capítulo 2 da referida lei);  e, ainda, a impossibilidade de aplicar aos casos previstos regidos por esta lei  de retirada da notitia criminis (retratação) com simples comunicação em delegacia, necessitando que fosse feita perante o magistrado em audiência destinada para este fim (art. 16). Acrescente-se ainda, em conjunto com esta medida que visa, nada mais nem menos, que a mera punição, dando vazão à (in) capacidade de resolução de conflitos pela via criminal o dispositivo que impede a aplicação da lei 9.099/1995 – Juizados especiais), ou seja, a transação penal e a suspensão condicional do processo.
Com estas medidas e intencionalidade, o que se produz, é novamente a relegação da mulher ao seu estereotipo de incapacidade de participar com a sua alteridade na resolução de conflitos (de seus próprios conflitos). Retomando e fortalecendo a tradição de infância de submissão ao pai, ao marido, e em ultima instancia ao Estado – o grande guardião da sociedade varônica.
Neste sentido, é de ser festejada (e muito) a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que autoriza (relativizando o preceito contido no art. 41) a suspensão condicional do processo em crimes cometidos sob a égide e regulamentação da afamada Lei Maria da Penha.
Tal decisão não resolvem os problemas pondo fim à problemática de gênero, que é uma discussão teórica acalorada e assaz interessante, muito embora seja permeada por dores e apartações sociais milenares que são vividas na pele, tendo a sua complexidade passando longe das discussões acadêmicas e parlamentos (infelizmente). Mas pelo menos, demonstra que se está a avançar, se começa a pensar uma sociedade, que se diz moderna, em questões que conosco convivem há milhares de anos e continuam vivas e pulsantes.
Segue abaixo a ementa da decisão (brilhante) do Egrégio (neste caso até dá vontade de mencionar o termo) Superior Tribunal de JUSTIÇA:
HABEAS CORPUS Nº 154.801 - MS (2009/0230608-9) RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL ADVOGADO : DENISE DA SILVA VIÉGAS - DEFENSORA PÚBLICA IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL PACIENTE : ERNANDES ALVES GARCIA DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de ERNANDES ALVES GARCIA - condenado pelo crime de lesão corporal leve no âmbito familiar, às penas de três meses de detenção, substituída por  prestação de serviços à comunidade - pelo qual se alega constrangimento ilegal por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, qual negou provimento à apelação ali interposta, por entender que é vedada a proposta de suspensão condicional do processo aos crimes previstos na Lei Maria da Penha. Diante disso, o impetrante pugna pelo deferimento de medida liminar, para que sejam suspensos os efeitos da sentença condenatória e do acórdão proferido pelo Tribunal de origem, até o julgamento do mérito do presente writ. É o breve relatório. Em que pesem as razões da impetrante, não me convenci da ocorrência da alegada coação ilegal, não se afigurando, em conseqüência, numa primeira análise, nenhum vício no procedimento, a justificar, de plano, a concessão da medida. Deve-se, ainda, levar em consideração que a cognição sumária, própria da presente fase, não nos permite realizar profundas digressões de mérito, o que justifica o deferimento da medida liminar apenas quando detectada, de imediato, a coação ilegal suportada pelo paciente. Por outro lado, esta Corte já decidiu que a não-aplicação da Lei nº 9.099/95, prevista no art. 41 da Lei Maria da Penha, refere-se aos institutos despenalizadores, como a composição civil, transação penal e a suspensão condicional do processo. Nesse contexto, considero prudente reservar ao Colegiado o pronunciamento definitivo, no momento apropriado. Em face do exposto, indefiro a liminar. Como o processo (HC 110965 / RS, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe 03/11/2009) está suficientemente instruído, remetam-se os autos à Procuradoria Geral da República, dispensando-se o pedido de informações. Publique-se e Intimem-se. Brasília , 27 de novembro de 2009. MINISTRO CELSO LIMONGI